terça-feira, 20 de dezembro de 2011

EXPERIÊNCIA DOCENTE

Nessa postagem trago um texto que serviu de base para uma explanação que realizei no dia 10 de dezembro de 2011 na ocasião do evento "Colóquio interdisciplinar de educação física escolar: experiências significativas", organizado pela professora Cíntia Muller nas dependências do Departamento de Educação Física da UFPR. No momento, o texto foi intercalado com outras intervenções, exemplificações e articulações com a realidade que não se encontram aqui relatadas. O evento procurou estabelecer diálogo entre as disciplinas trabalhadas pela referida professora - na qual alguns materiais produzidos por mim foram utilizados - e outros professores da rede estadual que possuem experiências relacionadas a compartilhar. 
 
AGRADECIMENTOS


Primeiramente gostaria de agradecer pelo convite à participação e saudar as apresentações que me antecederam. As distintas experiências relatadas aqui – seja dos estágios dos alunos, seja dos professores da rede estadual a partir de sua vivência no PDE – guardam algo que as identifica. Todas elas são uma ilustração de que é sim, possível, uma Educação Física cheia de sentido na escola pública.

Agradeço também a todos os presentes, por celebrarem esse momento conosco. Agradeço às alunas Alessandra Mendes e Karine dos Santos, organizadoras do espaço. E em especial à professora Cíntia Müller Angulski, coordenadora do evento e professora responsável pelas disciplinas: Seminários Temáticos, Currículos e Projetos Integrados. 

Meu sentimento é de profundo contentamento em estar presente nesse espaço. Um espaço aberto para a escola pública no âmbito universitário público é iniciativa ímpar e caminha no sentido superar o abismo existente entre essas duas esferas da escolarização. Também me leva ao estado de contentamento, saber que minhas produções vêm sendo estudadas no contexto da formação de professores desta instituição. É uma grande honra poder contribuir, mesmo que dentro de meus profundos limites, no processo de construção de vossa prática pedagógica.


INTRODUÇÃO

Para esse colóquio, busco trazer alguns elementos para a reflexão da questão teoria e prática em Educação Física no contexto da escola pública. Compreendo, por certo, que de alguma forma tais elementos se encontram fluidos em minha produção, em especial aquela estudada pelas referidas disciplinas, todavia, tento avançar e organizar sistematicamente os aspectos fundantes de minha abordagem e para uma abordagem crítico-superadora em Educação Física.

Minha reflexão toma por base as categorias totalidade, historicidade e contradição. Categorias fundamentais do materialismo histórico-dialético, concepção teórica desenvolvida pelo filosofo alemão Karl Marx e seus colaboradores, que servem como bases de um caminho para a análise da realidade social, da escola e da Educação Física.

Nessa concepção, a realidade concreta, é ponto de partida de nossa análise. Também é para a realidade concreta que deve retornar o fruto de nosso pensamento, na forma da transformação social. A esse movimento sensível, analítico e interventor, nomeamos práxis. Sendo assim, faz-se necessário identificar o que estamos compreendendo como realidade concreta. Para isso, façamos uma pequena digressão, para que possamos ulteriormente avançar em nossa exposição.

O terreno a que nos referimos como realidade concreta é o campo da produção e reprodução da vida humana em determinado condicionante histórico. Em uma palavra, trata-se do contexto das relações sociais capitalistas de produção e reprodução da vida.

A sociedade em que vivemos atualmente tem sido nomeada das mais diversas formas. Sociedade tecnológica, sociedade do conhecimento, sociedade pós-moderna e outros. Nessas nomenclaturas, ora se apresentam, ora se omitem, cosmovisões que afirmam o fim da sociedade capitalista, ou pior ainda, o triunfo do capitalismo enquanto possibilidade de sociabilidade final à humanidade.

Tais leituras são signatárias de uma percepção bastante limitada da realidade, que visualiza nas estratégias de gerência do capital a instituição de uma nova ordem social, fundada na tecnologia e no conhecimento e não mais na exploração do trabalho vivo.

Todavia um olhar crítico e histórico para a realidade do capitalismo mundial, pode refutar tais teorias com facilidade. Afirmam por exemplo, Antunes e Braga (2009) ponto fulcral nessa discussão. Destacam os autores que, atualmente, após a entrada dos gigantescos batalhões de trabalhadores da China e da Índia no jogo do capitalismo globalizado, sem falar na Rússia e na America Latina, ficaria impossível correr o risco de se prever o declínio estrutural do trabalho vivo como fonte de riqueza material.

Disso, temos que ao contrário do que afirmam algumas teorias e seus porta-vozes, não vivemos uma nova sociabilidade, mas sim vivemos um bastante antigo modo de produção, o modo de produção capitalista, fundado em: 


  • Propriedade privada dos meios de produção da riqueza, da vida.
  • Cisão em classes sociais de interesses históricos e imediatos antagônicos.
  • Burguesia e proletariado
  • Imensa acumulação de mercadorias
  • Enorme avanço tecnológico
  • Riqueza e miséria ao mesmo tempo
  • Trabalho alienado

A vida na sociedade do trabalho alienado, estranhado, é a vida da consciência alienada, estranhada. Uma consciência que tem origem em outrem – classe dominante – e atinge a todos e todas, sem distinções. Essa consciência é a consciência da classe dominante, que é por sua vez propagada pela ideologia. A ideologia, nessa concepção é compreendida em seu sentido clássico, qual seja, de um conjunto de ideias que mascaram a realidade, impedem o conhecimento da concreticidade, do real.

Em linhas gerais, esse é o terreno em que se encontra a sociedade capitalista e a sua correlata manifestação de consciência social. Nesse contexto, a escola, como orientadora de consciências, como se enquadra?

CONCEPÇÃO DE ESCOLA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS AOS EDUCADORES

Na perspectiva em que temos fundamentado nossa análise da escola e da educação, esta posta a visão materialista da essência humana, compreendendo-a em uma constituição histórica, em contraponto à metafísica em que a essência humana estaria dada, seria inata. Essa segunda visão, embora presente no senso comum e em conhecidas práticas pedagógicas, é signatária de uma percepção estacionária da realidade que não pretende outra coisa que não seja a manutenção da organização social atual e por isso, deve ser identificada e desmistificada pela concepção histórica que depositará esforços na educação com vistas à transformação social.

Nisso que estou chamando de educação com vistas à transformação social, está inclusa uma contundente crítica ao modo de produção capitalista, compreendendo-o como modo de produção da desumanização.

Surge então, no seio do movimento dos trabalhadores, a proposta da Escola Única, omnilateral – ou seja, de desenvolvimento das múltiplas dimensões humanas – e fundamentalmente crítica. Desse fundamento, emergem teorias críticas em educação, notadamente a pedagogia histórico-crítica.

Nessa concepção intenta-se pela instrumentalização do proletariado na perspectiva da politecnia, na qual o educando deve dominar os fundamentos de distintas formas produtivas, os fundamentos das ciências, a apreensão da cultura corporal, e outros.

Nesse contexto histórico, a função social da escola pública mobilizada para a transformação da realidade é a produção da humanidade genérica no ser humano singular. Em outras palavras, transmitir às gerações mais novas, toda produção humana pretérita, fazendo com que estas se apropriem dos conhecimentos necessários para constituição da crítica autônoma (SAVIANI, 2003).

Entretanto, a caracterização da instituição escolar na sociedade capitalista, nem sempre é conhecida pelo próprio campo educacional. As manifestações da organização social capitalista, por vezes não são compreendidas enquanto elementos históricos, construídos socialmente pelos próprios seres humanos e que, portanto são passíveis de alterações pela ação consciente dos mesmos. É o caso de se conceber a conjuntura histórico-social atual enquanto parte de uma ordem natural, dada, essencialista e que não é passível de alterações significativas.

Essa limitada percepção é muito próxima do senso comum ou da ideologia da classe dominante, que por vezes reside na consciência de muitos educadores e educadoras e em determinados casos vem sendo reforçada por documentos e políticas públicas de educação. Conceber a sociedade capitalista como natural, como patamar elevado e definitivo da sociabilidade humana e consequentemente pensar o papel educacional como fundamental mantenedor dessa organização em grupos sociais dirigidos e dirigentes, no âmbito da educação pública, engendra práticas pedagógicas precarizadas, empobrecidas, de conteúdos minimizados e sem horizonte histórico transformador.

Impera nessa expectativa, a visão de que a escola pública voltada às classes populares se constitui como um espaço de sociabilização que objetiva produzir nos educandos condições mínimas de humanização o que apenas os manterá seguramente na subalternidade.

Em fato, sabemos que uma concepção educacional mais avançada, imediatamente contraposta a essa última, que vise à produção da genericidade humana nos sujeitos por meio da assimilação dos conhecimentos historicamente produzidos, enfrenta duros problemas para sua efetivação. A realidade social impele o empobrecimento estrutural da escola pública por diversos instrumentos, forçando a minimização de seus conteúdos, somando-se assim os impedimentos a uma educação de qualitativamente distinta e emancipadora das classes populares.

Nesse contexto, abre-se um caminho de desafios aos educadores, educadoras e comunidades organizadas que assumem a importância e o desafio de uma concepção educacional emancipatória enquanto horizonte. Listo alguns desses logo abaixo.

O primeiro é o desafio cotidiano, a enfrentar inserido em todas as dificuldades atuais da escola pública, no esforço hercúleo de qualificar a intervenção educacional em meio a tantas intempéries – que no caso da Educação Física, essas últimas vão desde as climáticas até as tentativas de gerência das crises do capital mundializado.

O segundo reside no enfrentamento da própria condição estrutural da educação pública, assim como da condição estrutural de desigualdade social, dois pontos imbricados que constituem desafios dialeticamente urgentes e mediatos, a serem encampados pela comunidade escolar, nas mais diversas frentes de atuação.

O terceiro desafio é o embate frontal às pedagogias do capital, que ao invés de atuarem no sentido de desvelar a realidade no âmbito escolar, contribuem apenas para mascará-la.

Para esses embates precisamos de preparo arbitrário, cotidiano e crítico. Destacamos a importância da recorrência aos estudos verticais nas obras fundantes das concepções educacionais e da Educação Física. A apropriação adequada e o aprofundamento nas teorias gerais desse campo são tarefas urgentes ao professorado. Nesse contexto, lembro-me que uma das contribuições mais importantes da obra de Marx é o legado deixado pelo seu método de análise do real. Mas, para compreendê-lo, há que se debruçar no estudo de suas obras e no aprofundamento acerca das categorias do método.


EDUCAÇÃO FÍSICA CRÍTICO-SUPERADORA

Assim como no âmbito da escola em geral, a Educação Física deve ocupar-se em realizar em sua intervenção pedagógica na mediação entre a esfera cotidiana e não cotidiana (DUARTE, 2001) no âmbito da cultura corporal. Nessa concepção, a cultura corporal adentra ao processo educativo na perspectiva da educação politécnica ou omnilateral, que visa a formação integral e crítica dos indivíduos.

O ponto de chegada dessa Educação Física é a formação do sujeito crítico que seja capaz de recorrer, por exemplo, aos elementos das reflexões realizadas em aula para inseri-los no movimento do pensamento sobre a cultura corporal durante toda sua vida. Para isso, também será necessário explicitar durante o processo educacional, os passos, categorias e movimentos do método dialético, para instrumentalizar o percurso metodológico do pensamento nos alunos.

Ainda é importante lembrar, que a metodologia crítico-superadora, além de signatária da Pedagogia Histórico-Crítica, vale-se das contribuições da psicologia histórico-cultural, a qual traz contribuições riquíssimas para essa concepção da Educação Física.

Para essa concepção a formação das Funções Psicológicas Superiores (FPS) se torna central no período de escolarização, pois as mesmas representam a produção da humanidade no individuo e, portanto, questão fulcral para a escola básica.

Segundo Facci (2004) para o desenvolvimento dessas funções é necessário a apropriação da cultura material e intelectual. Essas formas superiores de comportamento consciente se encontram nas relações sociais do indivíduo com o mundo exterior. O desenvolvimento delas é processo de conscientização do ser humano e para isso o pensamento por conceitos se torna essencial. A constituição e compreensão dos conceitos são possibilitadas por meio da mediação do adulto com a criança. Essa mediação tende a provocar gradualmente a atividade psicológica da criança.
 
Os conceitos envolvem um sistema de relação e generalizações contido nas palavras e determinado por um processo histórico. O contexto cultural no qual o indivíduo se desenvolve vai fornecer-lhe os significados das palavras do grupo em que está inserido. Todo o conceito é uma generalização. (FACCI, 2004,p. 212)
           
O pensamento por conceitos está relacionado à consciência social, objeto da educação básica. Para a formulação dos conceitos a autora indica que há uma evolução nesse processo no qual se identificam os seguintes estágios: agrupamentos sincréticos, formação de complexos e finalmente os conceitos.

Os alunos podem se encontrar, mesmo que em uma mesma turma, em diferentes estágios a depender de seu acumulo prévio. A mediação do professorado deve por sua vez, buscar investir na formação dos conceitos por meio do trânsito progressivo entre os estágios.

Nessa concepção, o trabalho do professor se caracteriza por ser um processo intencional e sistematizado de transmissão de conhecimentos para que o aluno vá além dos conceitos espontâneos apropriando-se dos conhecimentos científicos (VIGOTSKI, 2000).

Cabe ao professor partir da prática social do alunado buscando alterar qualitativamente a consciência de seus alunos, como agentes de transformação social. O conhecimento, os conteúdos clássicos serão a ferramenta para passar do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. A psicologia histórico-cultural, quando se preocupa com a formação das FPS, tem na apropriação do conhecimento científico, do saber sistematizado, por parte dos homens, seu alvo principal (FACCI, 2004, p.232)

Marilda Facci destaca o professor, o aluno e a escola na mesma perspectiva que Saviani valoriza o saber elaborado como objeto da escola e de aprendizagem do aluno: “A escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado” (SAVIANI, 2003, p.14).

Nessa perspectiva, o trabalho planejado e intencional do professor na transmissão do conhecimento é fundamental e objetiva a apropriação do conhecimento. Para a formação dos conceitos é necessário que o professor realize a mediação entre o conhecimento e o aluno, desenvolvendo métodos que conduzam ao desenvolvimento das potencialidades mentais. Uma das principais intervenções do professor é a sistematização mediada, onde o aluno avança no seu aprendizado, que deve ser realizada a partir da educação infantil, a fim de levar ao conhecimento real, pois “o professor deve encaminhar o ensino de maneira que force o aluno ao desenvolvimento máximo de suas capacidades” (FACCI, 2004, p.243).


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A realidade da escola, da educação e da Educação Física, coloca-nos uma série de enfrentamentos cotidianos. Cito alguns abaixo e concluo minha fala logo em seguida:

  • Enfrentamento ao rebaixamento do currículo, ao fatalismo e a imobilização;
  • Enfrentamento à precarização do trabalho do professor;
  • Enfrentamento às ingerências do sistema CONFEF no interior das escolas;
  • Enfrentamento ao movimento de re-desportivização da educação física escolar;
  • Enfrentamento à sociedade do capital, que se impõe dia a dia como fim da história.
 
Mas para encarar esses e outros tantos enfrentamentos que deixei de listar, é necessário estar preparado, é preciso mergulhar nas teorias que primam pela compreensão do real e sua transformação.
           
No ano que vem, a obra “Metodologia de Ensino da Educação Física” completa vinte anos de lançamento. A obra é o mais importante documento da pedagogia crítico-superadora e atravessa duas décadas orientando práticas, transformando aulas, modificando vidas, alterando a sociedade. Nesse sentido, gostaria de comprometer o Departamento de Educação Física da UFPR, a realizar um evento de apresentação, avaliação, relatos de experiência e outras questões ligadas ao entorno dessa obra.

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